Bárbara Castro Alves (*) – A decisão da Anatel de extinguir a Norma 4, de 1995, provocou reações diversas, que vão da indiferença à indignação, entre ISPs. O principal executivo da terceira maior PPP do país, a Vero, Fabiano Ferreira, afirmou que a revogação do regulamento não afetará a empresa e contribuirá para uniformizar as regras do setor. O CGI.br reiterou nota de 2022 onde afirmava que a separação entre conexão à Internet e serviços de telecomunicações foi essencial para o crescimento do número de acessos e que os princípios do Marco Civil da Internet devem continuar a serem observados. A Abrint considerou que a medida afetará a atuação de provedores de pequeno e médio portes, podendo também comprometer a governança da Internet no país e gerar insegurança jurídica.
Pode ser, mas, quanto à última, a vigência de diferentes regulamentos motiva há muito confusão quanto à natureza das atividades que prestadores devem apontar como origem de suas receitas, o que define quanto têm de pagar de ICMS (que incide sobre SCM, com alíquotas de 17% a 22%) e ISS (sobre SVAs e que varia entre municípios e atividades, indo de 2% a 5% na capital paulista).
A Norma 4 define o Serviço de Conexão à Internet (SCI) como sendo um SVA. Já a Resolução nº 614 de 28/05/2013, da Anatel, que regula a prestação de SCM, caracteriza-o, no artigo 3º, como serviço “que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, permitindo inclusive o provimento de conexão à Internet, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço”.
A sobreposição e conflito de definições é um dos fatores que fazem ISPs atribuírem os mais diferentes percentuais de seus faturamentos a SVAs e a SCM. Em boa medida, isso resulta da oferta streaming de vídeo, armazenamento em nuvem, serviço de e-mail, acesso a livros e outros serviços que claramente são de valor adicionado. A isso, somam-se os que mais serão afetados pelo fim da Norma 4: um número incerto de empresas que caracterizam o fornecimento de acesso como SCI, conforme dito, um SVA, de acordo com a Norma 4. Algumas decisões judiciais confirmam tal entendimento; outras, não.
Independentemente disso, a Anatel e as secretarias da Fazenda – se não todas, sua maioria – consideram que o provimento de acesso é um SCM, o que justifica seus esforços para coibir a atribuição – supostamente – artificial de ganhos obtidos com esse serviço quando classificado como SVA, considerando que a prática objetiva a elisão fiscal (recolhimento de ISS ao invés do ICMS) e isenção indevida do recolhimento de FUST e FUNTTEL.
No final de 2023, a Anatel anunciou que empresas que atribuem a partir de 40% de suas receitas a SVAs seriam alvos preferenciais de sua fiscalização. Nesse sentido, no ano seguinte, alterou sua coleta de Dados Econômico-financeiros e Técnico-operacionais, que passou a exigir de provedores, além das receitas obtidas com SCM, SeAC, SMP e RV, outras não relacionadas a telecomunicações, incluindo as resultantes da oferta de Serviços de Valor Adicionado, categoria sobre a qual a agência não arbitra.
Apesar disso, muitas das manifestações de entidades e escritórios de advocacia observadas na imprensa na sequência do anúncio do regulador sobre o fim da Norma 4 levam a crer que parte significativa dos ISPs declara receitas obtidas com o fornecimento de banda larga como provenientes de SCI.
Reforma Tributária
Se a decisão da Anatel gera em muitos preocupações quanto ao impacto que o fim de vantagens fiscais pode acarretar a PPPs e ao segmento como um todo, há outros fatores que farão esses benefícios desaparecer. Além da extinção da Norma 4, programada para janeiro de 2027, estabelecer uma única caracterização possível para a oferta de acesso à Internet, a Reforma Tributária deverá equalizar as alíquotas de SCM e SVAs. O IVA, que substituirá, dentre outros impostos, o ICMS e o ISS, será implantado gradativamente entre 2029 e 2032, quando, conforme estimativa do secretário extraordinário da Reforma Tributária do governo federal, Bernard Appy, terá alíquota de 28%.
Independentemente disso, provedores, principalmente os que, sem amparo de decisões judiciais, classificam parcelas significativas de ganhos com acesso à Internet como SCI devem, desde já, adotar uma série de medidas que lhes possibilitem tanto usufruir por mais algum tempo de uma carga tributária menor, quanto evitar questionamentos futuros por parte de Anatel e secretarias da Fazenda.
O fim da Norma 4 poderá fazer com que a distribuição da origem de receitas por categorias de serviços de muitos provedores apresente alterações acentuadas, o que pode chamar a atenção da agência e do Fisco. Como ambos já demonstraram o que entendem ser serviços de Conexão à Internet e de Comunicação Multimídia, esse tipo de situação poderá gerar, no futuro, questionamentos quanto ao que provedores declaravam no período de vigência do regulamento que será extinto.
Uma medida importante que serve para a defesa das empresas em situações desse tipo – assim como em muitas outras – é a descrição detalhada de cada uma de suas ofertas. Dentre outras, deve contemplar características, a resolução ou norma que a regulamenta, a classe de serviços a que pertence e os tributos que sobre ela incidem. O detalhamento de cada serviço deve estar em seu respectivo contrato – o correto é que cada um disponha do seu, diferentemente do que faz a maioria dos provedores, que reúne tudo que é fornecido ao cliente em um só documento.
No caso do SCI, tal descrição é complexa e, se não dispor de bom embasamento, poderá sugerir artificialidades. Dessa forma, recomenda-se que, além da definição trazida pela Norma 4, disponha do inciso V do artigo 5º do Código Civil da Internet.
Outra providência a ser tomada por ISPs que não querem chamar a atenção do regulador e da Sefaz de seus estados demanda investimentos na contratação de fornecedores de SVAs. A inclusão de novas ofertas dessa categoria em contratos – insisto: é importante que cada serviço disponha de seu próprio contrato – serve para que, quando a classificação SCI deixar de ser aceita, provedores não tenham de reportar à Anatel e ao Fisco saltos nas receitas obtidas com SCM.
Muitas das manifestações que se seguiram à decisão da Anatel exaltavam os ISPs como principais responsáveis pela expansão e democratização do acesso à Internet no país, o que teria sido possibilitado pelo enquadramento do serviço como um SVA. Ocorre que, até aqui, a falta de clareza da regulamentação quanto à categoria a que ele pertence faz com que alguns usufruam de benefícios que são inacessíveis a outros e que submeteram muitos que tentaram acessá-los a sanções. Independentemente disso, mesmo a extinção da Norma 4 não é garantia de que as empresas se livrarão de problemas futuros. Portanto, é necessário se precaver desde já.
(*) Bárbara Castro Alves é gerente de assuntos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs.
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