A consulta pública realizada pela Ouvidoria da Anatel, questionando principalmente a possibilidade de uma entidade autônoma externa para gerenciar o compartilhamento de postes, deixa claro as divergências existentes entre os setores envolvidos. Entidade ligada às empresas de distribuição de energia e provedores de internet acreditam que essa medida valeria apenas para regularizar a situação caótica atual da ocupação dos postes, mas apresentam sugestões divergentes em busca de uma solução definitiva. As empresas de telecom ressaltam que, com o advento de novas tecnologias – 5G, IoT – é muito importante que a regulamentação sobre compartilhamento de postes esteja adequada à nova realidade e exigências do mercado.
Para a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), a criação de uma entidade externa e neutra seria a mais cristalina demonstração de incompetência das agências reguladoras em resolver o problema do compartilhamento dos postes. “Este novo ente iria apenas tumultuar o cenário atual e enfraquecer o poder das agências, que muito já sofreram com anos de governos que desconheciam (ou fizeram questão de não conhecer) o modelo regulatório implantado no Brasil há mais de vinte anos. Não precisamos de novos agentes”, afirma a entidade.
Porém, a Abrint entende que uma entidade administradora, composta por integrantes das empresas de telecomunicações e de distribuição de energia, nos moldes da EAD da TV digital, poderia facilitar a resolução dos conflitos para regularização dos postes, desde que houvesse recursos extras. O uso de fundos setoriais das telecomunicações e da energia, foi um dos exemplos citados pela associação.
Para a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABDEE), antes de qualquer implantação de outra solução é necessária uma mudança drástica na regulamentação vigente que não conseguiu contribuir de forma concreta para o equacionamento do grave problema existente no compartilhamento da infraestrutura entre as distribuidoras de energia e as empresas de telecomunicação. “A nosso ver a principal deficiência encontra-se na falha da identificação da causa principal dos problemas existentes. Com o objetivo de propiciar um aumento na concorrência dos serviços ofertados aos usuários, descuidou-se da exigência para que os ocupantes cumprissem regras mínimas de convivência, como por exemplo a existência de um contrato com as distribuidoras, a observância das normas técnicas”, exemplifica.
A ABDEE criticou a Anatel, por flexibilizar a criação de empresas de telecom sem necessidade de autorização, no caso de SCM. “Qualquer que venha a ser a proposta de solução para a questão do compartilhamento, será indispensável uma atuação mais firme da Anatel com relação aos seus agentes, de forma a fazer com que cumpram as regulamentações vigentes”, afirma a entidade. A criação de um agente autônomo pode auxiliar na solução do problema da ocupação desordenada. “Outra forma seria rever a regulamentação para que a distribuidora pudesse desempenhar este papel de agente autônomo, já que ela é a proprietária dos postes”, defende.
Mais conflitos
A Claro entende que é necessária uma atuação mais firme para exigir que os ocupantes cumpram as regras estabelecidas. A operadora afirma que não é possível esperar que apenas os agentes encontrarão uma solução para o grave problema criado com a ocupação desordenada. Nesse sentido, um agente autônomo poderia facilitar o acesso e a gestão da infraestrutura de postes, desde que tal entidade: fosse responsável pela gestão do compartilhamento da infraestrutura de postes como um todo, e não somente pela gestão do compartilhamento realizado pelo setor de telecomunicações; fosse realizada por um terceiro, imparcial aos setores de energia e de telecomunicações; fosse custeada pela receita advinda do próprio compartilhamento; e decorresse de previsão normativa, publicada em Resolução Conjunta Anatel / Aneel, após realização de Consulta Pública, com regras claras a respeito do seu funcionamento e sua governança
No entendimento da Enel Brasil, a princípio, a criação e atuação desta “entidade externa neutra” não facilitaria o acesso e a gestão da infraestrutura provida pelo compartilhamento dos postes. A empresa destaca que entre os anos de 2017 e primeiro semestre de 2019 já foram realizadas aproximadamente 300 reuniões com operadoras, nove fóruns de compartilhamento com a participação de 1.500 pessoas do mercado de compartilhamento, para esclarecimento de temas de ordem técnica, normativa, apresentação de sugestões e melhorias para o setor. “Hoje existe uma maior aproximação entre as operadoras e distribuidora, o que proporciona uma maior clareza de todo o processo. Entende-se que a entrada de uma entidade, realizando esse papel de interlocutor irá levar a um maior distanciamento entre as operadoras e com todo o processo de compartilhamento disponibilizado pela distribuidora, processo este, reforça-se, amplamente divulgado e discutido pela distribuidora, e pautado no estrito cumprimento dos mandamentos regulatórios”, afirma.
A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp) também tem restrições à medida. Segundo a entidade, a proposta de deixar a cargo de uma entidade externa e neutra, a negociação, entre operadoras de serviços de telecomunicações e distribuidoras de energia elétrica, da ocupação da infraestrutura compartilhada de postes, pode ser considerada válida, pois tal prática já existe de alguma maneira, em outros países, como os Estados Unidos, por exemplo. “Contudo, no Brasil, tal modelo só seria viável, se respaldado por regulamentação sólida (Resoluções Conjuntas Anatel/Aneel), que proporcione a segurança necessária para a atuação efetiva desse agente. De outra forma, o novo modelo estaria tão somente criando mais um espaço para conflitos entre agentes, inclusive os reguladores”, afirma.
A TelComp recomenda pressa na revisão da Resolução Conjunta nº 4, pelas agências reguladoras dos dois setores. “A configuração atual da regulamentação sobre compartilhamento de postes não é suficiente para orientar adequadamente a atuação de uma terceira entidade nos moldes do que ocorre com a portabilidade numérica. Isto inclui aspectos técnicos de ocupação, termos contratuais, precificação, fiscalização e sansão”, sustenta.
A Telefônica, por sua vez, afirma que a adoção de uma interface centralizada por meio de um agente neutro e autônomo pode gerar efeitos positivos no atual cenário de compartilhamento da infraestrutura de postes. “Mais especificamente, a principal contribuição associada a este modelo consiste em fornecer maior incentivo a uma gestão adequada da infraestrutura, imprimindo, consequentemente, maior celeridade a atividades críticas no processo, como o correto dimensionamento da ocupação, aprovação dos projetos técnicos e a fiscalização dos pontos compartilhados”, destaca.
A operadora adiantou que está em processo de elaboração, por parte da empresa KPMG, um estudo, contratado pelas principais operadoras de telecomunicações por intermédio de entidade setorial, o SindiTelebrasil, com o propósito de apresentar propostas de aperfeiçoamento ao modelo econômico referente ao compartilhamento dos postes, que espera ser usado pela Anatel na elaboração de proposta de regulamentação. “O estudo em questão inclui em seu escopo a avaliação econômico-financeira de diferentes modelos de compartilhamento extraídos de referências internacionais analisadas”, informa.
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