Cada vez que a Anatel divulga seus levantamentos sobre os números da banda larga no país, há recuo das conexões ativas na comparação mensal, o que se deve não a mudanças no mercado, mas a erros, atrasos ou falta de envio dos dados pelos ISPs. A constância com que isso ocorre torna a defasagem dos dados previsível e compromete a credibilidade desses balanços. O entendimento comum é que os provedores têm dificuldade em levantar e fornecer as informações que compõem as três coletas (mensal, semestral e anual) realizadas pela agência que, por conta do quadro, tem aberto constantemente novos prazos para os envios desses relatórios.
É por meio de suas coletas que a Anatel busca dimensionar o número de usuários e conexões ativas (mensal), a existência e localização de infraestrutura (anual) e o porte econômico das empresas do segmento (coleta semestral), para, a partir daí, formular políticas públicas. Além de importante, o envio desses dados é parte das obrigações regulatórias dos prestadores de serviços de telecomunicações, entre eles o SCM. O não cumprimento expõe provedores a processos administrativos e penalidades, que vão de advertências, multas até o cancelamento da autorização para o serviço.
Os balanços da Anatel que apontam o número de conexões ativas têm como base a coleta mensal, onde o ISP deve relatar, no sistema da agência, o número de conexões e velocidades fornecidas a clientes Pessoa Física e Pessoa Jurídica, municípios em que atuam, dentre outros, até o dia 15 do mês subsequente ao da apuração dos dados. Embora a divulgação do levantamento pela Anatel evidencie a falta de zelo – ou suposta dificuldade, segundo algumas associações – dos provedores com esse tipo de obrigação, o envio mensal é o mais simples entre os exigidos pela agência.
No caso desta coleta, não são poucos os questionamentos da autarquia resultantes de ausência de conteúdo em campos de preenchimento obrigatório, repetição de dados em colunas que diferem quanto à natureza das informações solicitadas, alegação de inexistência de código de cidade – definido pelo IBGE e disponível no site do instituto –, registros “nulo”, por exemplo, onde se pede o tipo de tecnologia utilizada, dentre outros que não podem ser atribuídos a dificuldades. Também é frequente a falta de atenção, por exemplo, quanto à unidade de medida (Mbps) utilizada nos campos referentes a velocidades de conexão fornecidas.
Além desses casos, não são poucos os ISPs que encaminham relatórios zerados, omitindo a existência de clientes, a fim de atuarem sem emitir notas e recolher impostos.
Além de criminosa, a prática é pouco eficaz. Se os provedores não forem clandestinos – o que, além de fechamento e apreensão de equipamentos, pode levar proprietários e gestores à prisão –, a inexistência de atividade econômica é suficiente para motivar a fiscalização sobre empresas que buscaram anteriormente licenças e outorgas para operação SCM. Além disso, a falsidade das informações nesse tipo de prática pode ficar evidente a partir de movimentações bancárias, aquisição de equipamentos (e respectivas notas emitidas por outros), como roteadores, cabos de fibra óptica e demais relativos à operação de um ISP. Por vezes, o delito é revelado pelo próprio infrator por meio de contradições expostas nas coletas anual e/ou semestral.
Já a coleta anual, que busca dados sobre as redes, é, de fato, composta por grande volume de informações. Segundo a própria Anatel, o mapeamento da infraestrutura por prestadores de pequeno porte, no nível de detalhamento exigido, pode ser complexo. Em sua primeira edição, em 2022, teve seu prazo prorrogado. Já neste ano, foi aberto envio fora do prazo regulamentar, que vai até 20 de junho.
As manifestações da agência quanto a erros no preenchimento da coleta anual devem-se, com frequência, ao fornecimento de uma localização única para toda a rede. No caso, o que Anatel demanda é a geolocalização de cada estação e as rotas da infraestrutura que as conectam.
Parte desses questionamentos também resulta da desconfiguração dos dados fornecidos. Desde 2020, o sistema da agência utiliza o modelo de planilha CSV, que pode expor usuários a obstáculos. Por exemplo, não aceita o uso de vírgulas na inserção de coordenadas de longitude e latitude – o que faz o arquivo, sempre que for aberto, alterar os campos, que, assim, podem apontar a existência de estações e redes de fibra óptica em locais improváveis, como o oceano.
Outra dificuldade que esse modelo de arquivo impõe aos provedores de Internet é que os dados inseridos podem desaparecer quando reabertos. Isso implica na realização de toda a tarefa desde seu início – que pode remeter até mesmo às pesquisas sobre geolocalização, quando esses dados são inseridos diretamente no sistema sem salvamento prévio em outro tipo de planilha.
A coleta semestral, que, em tese, os ISPs terão de remeter entre os dias 1º e 31 de maio, será feita pela primeira vez no sistema Coletas da Anatel – a anterior ocorreu pelo sistema DICI. Composto basicamente por informações econômico-financeiras, ainda não teve o novo manual disponibilizado para consulta, o que inviabiliza suposições sobre eventuais mudanças.
Em 2020, Alessandra Lugato, então diretora-executiva da Abrint, exemplificou os incômodos dos ISPs com as coletas dizendo que muitos precisavam contratar consultorias para preenchê-las. É possível estar em dia com essas obrigações sem a contratação de uma assessoria especializada. Isso, porém, demandará dedicação integral de um ou mais funcionários, que devem ser familiarizados com a atividade, as rotinas e a comunicação da agência.
É um tipo de função que demanda algum grau de experiência daqueles que a realizam para que as coletas sejam preenchidas de forma correta e em tempo hábil. Por exemplo, quando pede a retificação de algum dado nesses relatórios, a Anatel nem sempre menciona qual é e onde está o erro. Informa apenas que há incorreções em determinado(s) arquivo(s). Só um olhar treinado pode identificá-las com a rapidez necessária para que os prazos de envio sejam cumpridos.
As informações demandadas pela agência em suas coletas, que sempre foram essenciais para a formulação de políticas públicas, passaram a ter um novo grau de importância com a intenção do novo governo de universalizar o acesso à Internet. É de se esperar que a Anatel adote maior rigor com relação aos ISPs. Até porque sua boa vontade com empresas que, ao não cumprirem obrigações básica, comprometem seus balanços sobre as telecomunicações no país terá fim em algum momento. Portanto, os provedores que estão em falta com os envios das informações têm prazo também para adequarem sua conduta.
(*) Francielle Carvalho dos Santos e Bárbara Castro Alves são, respectivamente, especialista e gerente da equipe de Processos Regulatórios da VianaTel, empresa especializada na adequação legal de provedores de Internet.