Marielen Cristiane Estevo (*)
Desenvolvida pelas forças armadas dos Estados Unidos como forma de descentralizar a tomada de decisões durante a guerra fria, a Internet começou a ganhar o mundo a partir de meados da década de 1980. Ao possibilitar ao cidadão comum um nível de acesso e troca de informações sem precedentes, a rede também alterou o significado dos termos “privacidade” e “intimidade”.
A preocupação quanto a abusos nesse sentido antecede em muito a Internet. O direito à privacidade é garantido a todo indivíduo desde 1948 (é previsto pelo artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos) e a todo brasileiro desde 1988 (artigo 5º da Constituição).
Ainda assim, muitos desconhecem o valor de seus dados pessoais e os riscos a que estão expostos quando estes ficam em poder de pessoas mal-intencionadas. Com o intuito de alertar internautas sobre esses aspectos, em 2006, foi criado o Dia Internacional da Proteção de Dados, comemorado em 28 de janeiro.
No ambiente online, um dos pontos mais sensíveis relacionados à privacidade de alguém é a segurança de seus dados pessoais. O internauta sempre esteve em uma posição vulnerável, sem saber quando suas informações eram acessadas por outros, de que forma e por quanto tempo ficavam retidas. Nos últimos anos, essa situação se tornou crítica a partir do surgimento de um mercado de dados pessoais que, não à toa, passaram a ser conhecidos como “o novo petróleo”.
Com o uso do Big Data, quantidades infindáveis de dados, de diversas naturezas, não estruturados, são analisados simultaneamente e em grande velocidade. Desta forma, empresas são capazes de identificar comportamentos de pessoas ou grupos para, dentre outros, aumentar a eficácia de ações de marketing, com o direcionamento de mensagens sobre produtos e serviços a públicos específicos. Um grande número de instituições públicas e privadas manejam os dados pessoais de cidadãos brasileiros indiscriminada e diariamente.
A proteção à privacidade, intimidade e imagem é discutida há anos no país. Desse debate, surgiu a Lei 12.737 de 10 de Novembro de 2012, denominada Lei Carolina Dieckmann (que tipifica os chamados “cyber crimes”). Em 2015, foi instaurada a Lei 12.965, o chamado Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres no uso da Internet no Brasil e já dispõe, inclusive, sobre proteção de dados. Finalmente, em 2018, foi criada a Lei 13.709, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que trata especificamente sobre o tratamento e proteção de dados pessoais dos cidadãos brasileiros, por meios físicos e digitais, tanto nacional quanto internacionalmente.
Essas leis proporcionam segurança jurídica quanto à proteção dos direitos do indivíduo no ambiente online, algo fundamental, particularmente, em tempos de redes sociais e mobilidade informativa tão latentes no cotidiano dos civis.
Ainda assim, a Internet é um ambiente perigoso, onde se está sujeito a diversos tipos de ataques. Ainda que haja um arcabouço legal que prevê punição a infratores, o ambiente online possibilita ao internauta o anonimato, o que é usado por muitos para a prática de crimes.
Uma das razões para que isso ocorra é que, enquanto a Internet não reconhece fronteiras geográficas, as legislações internacionais não são harmônicas quanto à tipificação dos delitos. Também, por vezes, não há colaboração entre países no combate a essas práticas.
Apesar disso, muitos países têm percebido a necessidade de adequar sua legislação a este novo cenário, de modo a garantir proteção efetiva aos seus cidadãos. Os desafios técnicos e jurídicos que envolvem a existência e análise da eficiência da legislação de proteção de dados carecem de urgentes melhorias, em razão da peculiaridade transnacional desta e todas as inovações tecnológicas que possibilitam ocultar os autores de delitos dessa natureza.
Quanto ao ordenamento jurídico, o Brasil ocupa uma posição de destaque. A criação da LGPD deixou o país em um patamar regulatório semelhante ao da União Europeia – que dispõe da GDPR (General Data Protection Regulation). Além de proteger o indivíduo, a lei favorece a atração de investimentos externos. No mercado interno, soa promissora a possibilidade de expandir os horizontes quando se fala em inovações jurídicas para segurança da informação no ambiente virtual.
Ainda assim, a lei brasileira precisa ser atualizada. Isso se aplica tanto no que se refere ao cidadão e seu direito à privacidade e à inviolabilidade de seus dados, quanto às empresas que, embora beneficiadas pela LGPD, hoje estão igualmente expostas à violação de seus dados.
No que tange ao conceito de “sociedade de vigilância”, o receio é que o Brasil adote a política de vigilância e classificação social, como tem feito chamado “scoring social”, sendo este classificado como ato inconstitucional, por violar princípios básicos, como Igualdade e Dignidade da Pessoa Humana.
O direito à privacidade, dentro do que foi estabelecido pela Constituição Federal, trata de uma designação generalizada que envolve a tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Portanto, torna-se evidente que, em razão dos avanços tecnológicos, com a possibilidade crescente de invasão da vida íntima das pessoas, é indispensável assegurar o respeito à privacidade de cada ser humano.
Havendo natureza ilícita no rompimento do privilégio legal, destaca-se o dever civil de reparação e possibilidade de responsabilização ao agente transgressor. Quando se fala de ilicitude, nos referimos àquela relação de contrariedade entre a conduta do agende e o ordenamento jurídico. Ocorrem ilícitos pelo fato de o Direito proteger os bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. A proteção aqui tanto mencionada não se refere apenas aos valiosos dados pessoais, mas também àqueles que garantem a segurança e a governança empresarial, elementos fundamentais à confiabilidade e a credibilidade de uma empresa.
(*) Marielen Cristiane Estevo é advogada integrante do Departamento Jurídico da VianaTel, empresa especializada em regularização de provedores de Internet
No Comment