Fábio Lopes*
Muito se fala em Metaverso. Alguns artigos remetem ao livro do Neal Stephenson, Snow Crash, que ficou famoso por criar o termo. No entanto, acredito que poucos leram até o fim, mas vale conhecer um pouco da visão descrita pelo autor em 1992. Nesta linha, Stephenson não foi o único a propor ambientes imersivos de interação: a série Star Trek — Next Generation, de 1987, já nos oferecia entretenimento com o famoso Holodeck, um ambiente de realidade misturada (virtual e aumentada), onde os atores viviam simulações produzidas pelo computador da nave, com experiências muito além daquilo que a Meta e a Microsoft nos oferecem na atualidade.
É óbvio que não vamos conseguir antecipar rapidamente o que Star Trek sugere ser realidade no século 24. Mas alguns sugerem que já vivemos em um mundo virtual, como descreve o artigo Are We Living in a Computer Simulation?, do filósofo Nick Bostrom da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Conjecturas à parte, o fato é que temos uma nova disputa tecnológica pelo metaverso envolvendo a Meta e a Microsoft. A primeira, indo do RV (Realidade Virtual) para a RA (Realidade Aumentada); a outra, em uma abordagem inversa, partindo da RA, mas sem perder o foco em RV.
Digo isso ao observar as aquisições recentes dessas empresas e os produtos em oferta. No caso da Microsoft, o HoloLens 2, óculos para realidade aumentada que custa R$ 55 mil, trata-se de um dispositivo que permite a projeção de hologramas inseridos à nossa visão do mundo real, em uma concepção muito além da que vimos em Star Wars. A Meta investe na venda do Quest 2, bem mais acessível, contudo, atendendo apenas ao mundo imersivo da RV.
Por outro lado, vemos as aquisições de empresas que produzem Jogos Digitais, de longe, as mais especializadas em experiências imersivas, avatares e de mundos virtuais, proprios do metaverso. A versão mais atual da Wii, agora Nintendo, nos dá uma expectativa de interação em RA/RV interessante, indicando o que podemos vivenciar daqui para frente.
Com tudo isso acontecendo, o que vai mudar na minha vida?
A pandemia nos obrigou a vivenciar experiências virtuais como trabalho remoto, aulas on-line ou telemedicina, coisas que ainda estavam caminhando com muita resistência até então. Existem muitas críticas e elogios sobre a efetividade dessas atividades. A Microsoft investe em potencializar o TEMS, integrando-o à plataforma Mesh, de modo a criar mais possibilidades de trocas e trabalhos colaborativos. Aliado ao HoloLens, teremos mais interações auxiliadas no mundo real, o que possibilita apoio em atividades complexas, como uma cirurgia ou a operação de equipamentos que exigem protocolos de segurança intensos ou que alarmam quando detectam uso inadequado.
As reuniões e trabalhos colaborativos poderão ter experiências mais imersivas e contar com a participação de colaboradores de qualquer parte do planeta. Ações como movimento de mãos, observação de reações dos avatares e escrita em quadros virtuais já são possíveis em ambientes como o Horizon Workrooms, da Meta.
No turismo, podemos antecipar experiências reais do metaverso, por exemplo, o que se veria presencialmente em uma viagem.
Em acessibilidade, vejo grandes possibilidades. Assim como ocorre no filme Avatar, pessoas com problemas de mobilidade podem viver experiências mais complexas, minimizando suas limitações. Isso também vale para a fisioterapia, que já agrega consideráveis ganhos com a gamificação de algumas atividades.
A escola terá que reconstruir modelos, porém, de modo mais ágil. Passamos anos e anos comparando nossas salas de aula com espaços de ensino medievais, apontando problemas e obstáculos para justificar a não evolução do que fazemos em atividades docentes. De repente, fomos induzidos ao mundo virtual, que nos fez caminhar a passos quânticos para acompanhar o que era pedido aos professores. Agora, já sabemos que é possível mudar, melhorar nossos esquemas de aulas expositivas, com lousa de giz, para algo em que a tecnologia possa fazer a diferença.
Estudos estão em andamento na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Entre eles, projetos de interatividade em salas virtuais ou com auxílio de RA. Os jogos educacionais e de apoio a práticas de saúde também apresentam avanços. Os objetos de aprendizagem caminham para uma mudança de paradigma quando associamos IoT (internet das coisas), Wearables (dispositivos vestíveis) e RV/RA.
Como sempre, teremos questões para discutirmos e, sem dúvidas, o abismo digital é uma das mais importantes. Soma-se aqui, a desigualdade social, as questões de infraestrutura e as milhares de pessoas que sequer possuem celular ou acesso à internet. Fica a dúvida: Será que a evolução para este cenário virtual, corrobora para construir uma ponte sobre o abismo digital ou estamos ampliando esta lacuna?
Fabio Lopes é professor do Programa de Mestrado em Computação Aplicada da Faculdade de Computação e Informática (FCI) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).