Por Hermano Pinto (*)
Embora a internet pareça onipresente em nossas atividades, um simples olhar nos mapas de cobertura e de penetração aos serviços de banda larga torna evidente que ainda há muito a ser feito para alcançarmos uma internet efetivamente difundida em todos os rincões do país.
Áreas rurais, estradas, os subúrbios das cidades e até alguns bairros prejudicados por sua geografia apresentam serviços de baixa qualidade ou mesmo, nenhum serviço. Vale ressaltar, que este não é um problema brasileiro, mas uma questão que se verifica em países como os Estados Unidos, China e Índia, uma vez que os estudos de cobertura tradicional (móvel ou fixa) passa por modelos de negócio, que façam sentido em termos de retorno dos investimentos. Somente no Brasil, de acordo com dados recentes do Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura, 13 milhões de pessoas vivem em locais onde não há cobertura de qualquer tipo de sinal, impactando sua integração à sociedade, à economia, à educação e à saúde.
Ao longo dos anos, a engenharia de telecomunicações tem produzido diversas soluções alternativas e complementares às soluções de fibra e de acesso móvel, mais comuns para grande parte da população. Uma destas alternativas, nascida há cerca de 70 anos é o uso de repetidores de sinal, alocados fora da crosta terrestre, ao que se denominou “satélites artificiais” ou “satélites geoestacionários” (GEOS), alocados em uma órbita de 36.000 km, à uma velocidade similar à da rotação terrestre, que tornaram possível a difusão de sinais de televisão e de comunicações por todo o planeta, operando com grandes estações terrestres e popularizando o uso da banda C.
Há pouco mais de 20 anos, surgiram os satélites de baixa órbita (LEOS), que alocados a uma altitude média de 1.200 a 2.000 km, viriam a transformar fundamentalmente o setor, oferecendo maiores capacidades, menores latências e menores investimentos. Os caros dispositivos de recepção anteriores são hoje dispensáveis e a transformação foi ainda maior, tornando possível a efetiva configuração de redes não terrestres (NTN), em contraposição aos cabos, torres e antenas que percorrem os continentes e oceanos.
A multiplicação de nanosatélites de múltiplas funções e o desenvolvimento de novos foguetes lançadores, inclusive recuperáveis, modificou por completo o modelo de negócio anterior, atraindo várias empresas privadas como a SpaceX, OneWeb e Amazon, assim como diversos novos participantes para o ecossistema de redes NTN, incluindo balões de comunicação e vários outros tipos de soluções (HAPS, SAPS, UAVs) que ficarão para uma outra leitura.
Forte atuação
Seguindo essa trilha, as operadoras nacionais seguem aplicando esforços para viabilizar o uso da internet via satélite. Alguns exemplos já aplicados são monitoramento via satélite de um rebanho de gado da raça Jersey, trazendo a possibilidade de acompanhar o histórico do animal, quadro clínico e melhorando a produção de leite. O agro é um dos setores onde as aplicações estão mais avançadas no Brasil, trazendo eficiência para a produção, controle de máquinas, uso de IoT e impulsionamento de economia em localidades longe das capitais.
Mas as aplicações da internet via satélite são inúmeras e vão além do agronegócio. Vários setores econômicos-chave são beneficiados: ela proporciona acesso a recursos educacionais online; mais oportunidades de trabalho e emprego de forma remota para quem vive fora dos grandes centros urbanos; amplia o acesso à economia digital, com compra e venda em marketplaces online e multiplataformas de mercado e negociação; maior inclusão aos recursos de saúde (tratamentos, histórico médico e de consultas e diagnóstico remoto); uso adequado de serviços financeiros e governamentais, além de mais segurança e conectividade móvel rápida.
5G e redes NTN
Mas há muito mais porvir. Sabemos que as redes 5G são suportadas por uma extensa rede terrestre de torres e cabos óticos, usando uma ampla diversidade de frequências entre 700MHz e 26GHZ. Porém, reconhecendo as demandas de mercado, o 3GPP promove estudos (em seu release 17) para que os sistemas 5G possam suportar redes NTN, envolvendo satélites, drones e os sistemas HAPS (High Altitude Platform Systems).
Neste ano, durante o MWC de Barcelona, pudemos verificar pilotos conduzidos por grandes empresas, visando integrar as redes 5G com as redes NTN, tendo as operadoras de redes 5G um papel protagonista neste processo de oferta de serviços ao usuário final, uma vez que estas redes podem ser altamente complementares, permitindo-se prover conectividade em áreas remotas ou de difícil acesso.
Vale lembrar que também já foram feitos alguns anúncios sobre a possibilidade de oferta de conectividade 5G diretamente aos usuários através de satélites, especialmente projetados para transmitir sinais 5G para áreas em que as redes terrestres não estejam disponíveis ou apresentem capacidade muito limitada. As redes NTN nunca virão a substituir as redes terrestres, porém podem ser altamente complementares, ainda que não possam prover o mesmo nível de capacidade e latência.
Em resumo, juntamente às opções de serviços 5G, diretamente, via FWA ou MPN, as redes NTN podem efetivamente ser uma alternativa de oferta de conectividade 5G em certas situações, o que abre oportunidades para empreendedores, que seguem investindo e se fortalecendo para trazer soluções às demandas econômicas atuais, com um olhar de transformação e inclusão digital exigido por diversos setores.
(*) Hermano Pinto é Diretor do Portfólio de Tecnologia e Infraestrutura da Informa Markets, responsável pelo Futurecom, maior evento de tecnologia, telecomunicações e transformação digital da América Latina.