(*) Francielle Carvalho dos Santos
Há um entendimento muito comum e bastante equivocado entre provedores quanto ao cadastro de suas estações. Isso ocorre, por exemplo, entre os que dispõem somente da autorização de prestadoras dispensadas. Por não precisarem de outorga para operarem, consideram que isso se aplica também a outras ações que, na verdade, são compulsórias. Acontece também com frequência entre os que ofertam seus serviços a partir de uma infraestrutura física – fibra ou cobre – ou ainda por, ao estarem mal assessorados, acharem que se trata de algo desnecessário e trabalhoso. Fato é que, por diferentes razões, muitos ISPs não cumprem essa obrigação regulatória básica, o que os expõe não apenas a punições rigorosas da Anatel: acabam também por atrair concorrentes para suas áreas de atuação.
Uma estação é, conforme definido no parágrafo 2º do artigo 60 da lei 9.472/97 e no anexo da Resolução 719/2020 da Anatel, o “conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.” Na prática, trata-se do local em que estão as OLTs, onde chegam os links dedicados adquiridos junto a outros provedores e ponto em que se realiza o roteamento, repetição, gerenciamento e distribuição de seus serviços.
Uma das principais razões para que gestores de ISPs acreditem que não é necessário cadastrar suas estações é que, em muitas situações, não há obrigatoriedade de licenciamento da frequência para que este tipo de infraestrutura entre em operação. Conforme a Resolução 680/2017, essa dispensa ocorre quando o provedor utiliza exclusivamente equipamentos de radiação restrita – 2,4 e 5,8 GHz – e/ou meios confinados, como cabos de cobre e a tecnologia mais utilizada pelos PPPs, a fibra óptica.
Porém, mesmo nestes casos, existe a obrigatoriedade de cadastramento das estações, como estabelece a Resolução 719/2020. Isto se aplica também às que ainda estão no período de testes – 90 dias –, que antecede o início de suas operações comerciais.
Mesmo que não sejam alvo da fiscalização da agência, os ISPs que não cadastram suas estações acabam por gerar obstáculos para sua operação que, quase sempre, não são percebidos como resultantes de sua displicência.
A falta de registro acaba por comprometer a base de dados da agência, que é pública. Assim, esta, que baliza as estratégias de empresas, gera a interpretação de que, embora disponham de atendimento, há determinadas localidades em que não há provedores atuando. Para outros ISPs, isso significa demanda a ser atendida e eles rumam para essas regiões, desde os que dispõem de poderio econômico, resultante de M&As, para ampliarem suas áreas de cobertura até grandes teles, que, com base nos dados da Anatel, veem a possibilidade de conquistarem algumas centenas ou até milhares de clientes estendendo suas redes em centenas de metros ou poucos quilômetros.
Já os ISPs que se valem de sinal de rádio de frequência restrita para disponibilizar seus serviços precisam, além de cadastrar suas estações, registrar as frequências em que seus equipamentos operam.
Se não o fizerem, os dados da Anatel apontarão que em suas áreas de atuação há frequências não utilizadas, o que possibilita o registro por outros ISPs. Quando estes estiverem operando, sofrerão interferência nos sinais pela empresa que já atuava ali irregularmente. Como obtiveram o registro de suas frequências junto à agência – que autorizou seu uso por, em tese, não haver provedores utilizando-as naquele perímetro – relatarão ocorrências do gênero, o que motiva a fiscalização presencial do órgão regulador.
Ao obterem autorizações ou outorgas para operarem, os provedores se comprometem a cumprir todas as obrigações relativas à sua atividade. O não cadastramento de estações e/ou frequências configura, conforme o parágrafo 3º do artigo 9º da Resolução 589/2012, “uso não autorizado de radiofrequências ou exploração de serviço de telecomunicações sem autorização da Anatel”. Classificada como infração grave, pode gerar advertências, suspensão de licença e multas que, no caso de pequenos provedores, podem chegar a R$ 1,6 milhão.
ISPs compartilham há anos um cenário que combina queda da demanda por banda larga, concentração de mercado e aumento da competição. Se o primeiro desses fatores – resultante do crescimento expressivo do número de conexões entre 2018 e 2022 – é de difícil reversão, os outros podem ser agravados pelo não cumprimento das obrigações assumidas perante a Anatel. Isso se dá tanto pela geração de passivos que podem levar potenciais compradores à desistência do negócio, quanto motivar a chegada de concorrentes a áreas que têm número limitado de usuários. Afora esses riscos, existem as sanções da agência. Portanto, manter-se nesse mercado, particularmente no momento atual, demanda regularização.
(*) Francielle Carvalho dos Santos é especialista em processos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet.