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Ferreira: Dúvidas e dificuldades dos ISPs em meio ao bloqueio do X

Dúvidas e dificuldades dos ISPs em meio ao bloqueio do X
Especialista fala sobre como o bloqueio do X afeta os ISPs | Foto: Divulgação

Por: Raphaelle Ferreira *

Responsáveis por mais de 53% dos acessos fixos de banda larga no país, os PPPs estão buscando orientações sobre o bloqueio ao X (ex-Twitter), determinado, inicialmente, na sexta, dia 30, pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Dada a polêmica sobre o assunto, o magistrado submeteu sua decisão à Primeira Turma da corte, onde ela foi ratificada, em votação realizada no dia 2, por unanimidade.

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Ainda na sexta-feira, a Anatel foi comunicada pelo STF e encaminhou e-mails a mais de 20 mil a provedores – conforme noticiado na imprensa – repassando a ordem. Nas mensagens, a agência determinava “a suspensão imediata, completa e integral do funcionamento do X Brasil Internet LTDA em território nacional”. Acrescentava que a medida deveria ser realizada até que todas as ordens judiciais proferidas contra a mídia social fossem cumpridas, multas – que superam os R$ 18 milhões – pagas e houvesse a indicação, em juízo, de um representante da empresa em território nacional. Em meados de agosto, Elon Musk, bilionário dono da rede e da Starlink, decidiu fechar os escritórios da primeira no país, por conta de discordância com outras decisões do ministro Moraes.

A agência também solicitava que os ISPs informassem, até às 14h, de 31 de agosto – sábado – sobre o cumprimento da ordem. Não informava, porém, onde fazê-lo, sendo que o e-mail enviado não permite resposta: traz a mensagem “no-reply”.

Apesar da ação, diversos usuários, dentre os quais, muitos clientes de pequenos provedores, relatavam estar acessando a rede normalmente ao longo do fim de semana. O uso do VNP e outros “subterfúgios tecnológicos” que permitiriam furar o bloqueio e que submeteriam infratores a multas diárias de R$ 50 mil, conforme a mesma decisão, não foi, até ali, necessário.

Também propriedade de Musk, a Starlink, que fornece conexões via satélite a 250 mil usuários no país, informou, inicialmente, que não cumpriria a decisão – como represália por estar com suas contas bloqueadas, sob ordem novamente de Moraes, por conta do não pagamento das multas devidas pelo X. No início da semana, voltou atrás.

Quanto aos provedores regionais, parte do quadro se deveu à estrutura dessas empresas, que, em muitos casos, não dispõem de representantes que trabalhem nos finais de semana, até porque o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Telecomunicações trazido pela Resolução 632 – a 765 teve sua entrada em vigor postergada para setembro de 2025 – não determina que realizem atendimento a clientes fora de dias úteis. Dessa forma, parte das mensagens seria acessada somente a partir de segunda-feira, dia 2, quando seus responsáveis começariam a estudar como – e se – cumpririam a determinação.

Houve casos de ISPs que não receberam a mensagem da agência – aparentemente, pouquíssimos. Mesmo esses, como boa parte dos demais, buscaram auxílio e orientações, por exemplo, junto a consultorias regulatórias, sobre a decisão do ministro, que foi amplamente noticiada.

Algo surpreendente é que parcela significativa dessas demandas resultava de dúvidas sobre a necessidade de se cumprir a determinação. Ainda que polêmica – num grau que motivou submeter a decisão de Moraes a apreciação pela Primeira Turma do STF – e sujeita a opiniões pessoais, a ordem é uma decisão judicial, aliás, da suprema corte do país. Portanto, não é discutível.

Como dito acima, a Anatel comunicou 20 mil provedores. Ao STF, relatou, no início da semana, os que acessaram a mensagem – o que é possibilitado pelo seu sistema SEI, origem do disparo. A etapa seguinte seria investigar se as empresas estariam cumprindo a determinação. Ocorre que soa inverossímil que algo nesse sentido seja realizado com parcela significativa de tamanho contingente. Isso, porém, não deixa de expor provedores que não cumprirem a decisão a sérios riscos.

O embate entre STF e X surgiu no Inquérito das Milícias Digitais e outros relacionados aos ataques à democracia e à Praça dos Três Poderes do Distrito Federal em 8 de janeiro de 2023, que têm Moraes como relator. Isso, somado à postura de Musk, certamente fará com que episódios de resistência ao bloqueio do X sejam observados com atenção pela Justiça.

Uma das possibilidades é que internautas que se valerem do X durante o período em que a mídia deveria estar bloqueada para postagens com perfil semelhante às que já motivaram indiciamentos nos inquéritos já conduzidos por Moraes – propagação de fake news, disseminação de ódio a autoridades e de descrédito à democracia – sejam investigados. Nesses casos, será fácil chegar a provedores que não inviabilizaram o acesso à rede.

Além de problemas com a Justiça, ISPs que não cumprirem a determinação estarão sujeitos a processos administrativos pela Anatel. Se for caracterizado que houve descumprimento consciente da determinação – e não por falha de procedimento realizado –, a licença ou outorga pode ser cassada.

Uma forma de realizar o bloqueio é criar uma regra de firewall nos roteadores, a fim de impedir acesso aos IPs dos servidores do X. Caso o provedor possua DNS próprio, deve também impedir que solicitações para a rede devolvam o IP do serviço. Há outras alternativas e todas dispõem de obstáculos para que podem comprometer sua efetividade. Portanto, sem que disponham de um canal específico para informar a agência sobre as medidas tomadas, os provedores devem documentar suas ações para poderem se defender, futuramente, de eventuais investigações por parte da Anatel ou da Justiça. Em casos como este, só há um caminho a seguir: cumprir a determinação.

* Raphaelle Timporim Militão Ferreira é integrante da equipe jurídica da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs.

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