O professor e pesquisador Juliano Maranhão, diretor do Instituto LGPD – Legal Grounds for Privacy Design, e sócio do escritório Sampaio Ferraz Advogados, alerta que é importante ter em mente que a biometria facial é um tipo de dado pessoal sensível, conforme previsto na LGPD. “Assim, a única base legal aplicável para o tratamento desse tipo de dado no caso em questão é aquela do inciso I do Artigo 11: o consentimento específico e destacado, para finalidades específicas, dado pelo titular ou por seu responsável legal.
Dessa forma, caso seja possível o uso de tecnologias de reconhecimento facial para identificar usuários, resta inequívoco que tal uso deverá ocorrer mediante o seu consentimento – o qual deverá constar em cláusula separada das demais, ou ainda realizado de maneira apartada. Além disso, a possibilidade dessa forma de tratamento deverá constar explicitamente nos termos de serviço”. Maranhão destaca, no entanto, que embora isso tenha sido anunciado em mensagem enviada aos usuários via e-mail, os novos termos presentes na mensagem não indicam expressamente a vedação de tecnologia de reconhecimento para identificação facial, portanto, a empresa precisará ser mais explícita nesse ponto.
Na avaliação de Larissa da Costa Andrade, especialista em direito digital do Almeida Advogados, o Youtube está em busca de adaptações às regras de privacidade. “Nota-se que o Youtube, assim como tantas outras empresas, busca adequar-se às regras de privacidade que têm sido exigidas por diversos países”, afirma. Nesse sentido, a atualização dos Termos de Uso da plataforma traz maior transparência ao usuário, um dos princípios nos quais se baseia inclusive a nossa LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
É muito importante que aqueles que utilizam os serviços da plataforma, especialmente empresas, adequem suas normas internas para que não haja nenhum conflito com os Termos de Uso do Youtube. “Este tipo de adequação das empresas ganha relevância principalmente para evitar violações à LGPD, que apesar de ainda não gerar aplicação de multas (prevista para agosto deste ano), já está em vigor desde setembro de 2020 e tem gerado condenações por danos aos usuários em ações individuais e coletivas”.
Para Márcio Chaves, especialista em direito digital e propriedade intelectual, sócio do escritório Almeida Advogados, a plataforma deu clareza a diversas questões como monetização, veiculação de anúncios e aplicação de tarifas. “Vale destacar que o Youtube tornou mais clara a questão sobre o direito de monetização, que possibilita a veiculação de anúncios no conteúdo publicado ou a aplicação de uma tarifa de acesso para os usuários, não se confundindo com o direito de pagamento do criador de conteúdo”, disse.
Segundo Chaves, atualmente, verifica-se que muitos criadores de conteúdo digital optam por outras redes sociais e acabam não utilizando de forma ostensiva o Youtube. A alteração que ocorrerá a partir de junho funciona como um fomento para que os criadores de conteúdo passem a utilizar mais o Youtube, usando-o como principal fonte de monetização de seu material. “Deste modo, após junho, assim como se verifica aos poucos, poderá se notar uma maior migração para o Youtube e melhor possibilidade de visualização para criadores e empresas”, ressalta.
A partir de junho, esses pagamentos serão considerados royalties, nos termos da legislação aplicável dos Estados Unidos. Em consequência disso, alguns criadores poderão estar sujeitos a retenção de impostos nos EUA, que será feita pelo Google quando aplicável, e terão de enviar informações fiscais para o Google AdSense. “Tal fato exige atenção dos criadores a fim de que não haja nenhuma irregularidade em seu pagamento”, ressalta Chaves.
Maior transparência
Marcelo Cárgano, especialista em LGPD do escritório Abe Giovanini Advogados, avalia que os novos termos de uso do YouTube “alinham-se a uma necessidade cada vez maior transparência” na coleta e uso de dados pessoais. “Vale lembrar que as informações obtidas via tecnologias de reconhecimento facial são consideradas dados pessoais sensíveis, de acordo com o Artigo 5º, II da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e, portanto, merecedores de grau de proteção ainda maior (e, geralmente, o consentimento dos chamados titulares dos dados)”, observa. Ele conta que isto foi reafirmado em decisão proferida neste mês de maio de 2021, quando a justiça paulista condenou a Concessionária da Linha 4 do Metrô de São Paulo (Via Quatro) ao pagametno de multa de R$ 100 mil devido à coleta, utilização e armazenamento de dados pessoais de usuários sem seu prévio consentimento via a captação de imagens por câmeras de reconhecimento facial.
Cárgano avalia que a coleta de dados pessoais sem consentimento, particularmente de dados sensíveis, pode, de agora em diante, representar uma dupla violação de direitos. “Esse tipo de coleta de dados sem anuência do titular pode incorrer em violação de direitos pela LGPD, que define que os titulares devem ser informados sobre o tratamento de seus dados de forma clara, adequada e ostensiva, e a finalidade do tratamento de dados também deve ter propósitos legítimos, específicos e explícitos; e também pelo Código de Defesa de Consumidor, que estabelece que os consumidores têm direito à informações claras e adequadas sobre os produtos e serviços, bem como sobre eventuais riscos que tais produtos e serviços apresentem à sua saúde e segurança”.
-“Vale lembrar que em fevereiro de 2020, o YouTube já havia enviado uma notificação à empresa de reconhecimento facial Clearview AI, exigindo que esta parasse de alimentar seu banco de dados com rostos e demais informações pessoais coletadas no YouTube e que excluísse todas as imagens já coletadas. A Clearview AI, que tem como clientes órgãos como FBI e departamentos de segurança e polícia americanos, coletam imagens e demais dados de perfis públicos na internet para identificar e localizar supostos criminosos, embora a tecnologia também possa ser usada para, por exemplo, perseguir dissidentes políticos”, completa Cárgano.(Com assessoria de imprensa)