Bárbara Castro Alves (*)
O modelo de nota fiscal 62, que já pode ser usado em substituição às notas 21 e 22, é a mais recente tentativa de simplificar a intrincada classificação tributária de serviços de telecomunicações e dos que funcionam sobre sinal de Internet. Na prática, porém, pouco muda na vida dos provedores, que, ao tentarem pagar os impostos incidentes sobre suas ofertas, têm de lidar com regras confusas e anacrônicas, como a chamada Norma 4 que, criada na época do acesso discado, ainda baliza, dentre outros, a definição do streaming, um dos serviços mais ofertados hoje pelos ISPs.
No mais, a complexidade da legislação e o volume de regras que determinam se uma empresa pode realizar determinada atividade, o instrumento fiscal correto a ser utilizado em cada caso, a descrição de serviços e o CNAE a ser alocado em cada nota etc. levam gestores, mesmo quando orientados por contadores experientes, ao pagamento de impostos indevidos – e, por vezes, irrecuperáveis –, sonegação involuntária, multas, acúmulo de passivos e afins.
Muitas dessas infrações são reveladas pelos próprios ISPs ao Fisco, por meio de suas notas. O mais comum é que isso acontece a partir das descrições dos serviços prestados, que vão desde as muito vagas – como “plano light”, o que atrai fiscalização – à pura autodenúncia.
Por exemplo, o provedor emite a nota 22 – ou a 62, que será obrigatória a partir de 2024 – e descreve inocentemente o serviço realizado: “instalação de rede de fibra em condomínio”. Ocorre que os modelos de NF citados referem-se a SCM, que não se relaciona com instalação. Além disso, para realizá-la, o ISP também precisa dispor de CNAE específico, ou seja, que a atividade conste no objeto social da empresa. A emissão da nota errada resulta em sonegação fiscal – o imposto correto não foi pago –, que pode ser retroativa a até cinco anos, e multa proporcional.
Também comum entre os episódios de autodelação dos provedores a partir de descrições de serviços em suas notas é o VoIP. Conforme as características do serviço, a Anatel o define como SVA – quando se vale de software(s) para viabilizar a comunicação por áudio e/ou vídeo entre computadores –, SLP (Serviço Limitado Privado) – para comunicação restrita a determinado grupo, como um ambiente corporativo – e Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) – irrestrito e com o fornecimento de “número telefônico”. Em nenhuma dessas situações se relaciona com o CNAE e a licença para a prestação de SCM.
Isso não significa que a comercialização desse e de outros serviços, como streaming, armazenamento em nuvem, e-mail – todos SVAs – demande a obtenção de novas licenças e alterações contratuais. Se as ofertas resultarem de parcerias e os provedores as especificarem nas faturas aos clientes o que se refere a SCM e a SVA, não há qualquer irregularidade. São os fornecedores que terão de dispor das autorizações necessárias.
Quando ofertarem SVAs, provedores também devem atentar para o uso correto do instrumento de tributação que, no caso, não são notas ao Fisco municipal, mas sim notas de débito ou recibos numerados. Outro ponto é que SVAs são isentos da cobrança de ICMS. Entretanto, caso haja venda de aparelhos – Box TV para streaming, por exemplo – necessários à prestação do serviço ao cliente final, é necessário emitir a nota fiscal de venda e recolher os impostos incidentes.
Outro erro comum é a utilização em notas de CNAEs que não se relacionam com os serviços prestados. Também pode configurar sonegação – pela falta de pagamento do imposto, de fato, devido – e, caso a empresa não disponha do CNAE correspondente em seu objeto social, exercício ilegal de atividade econômica. Ocorre que, nesses casos, a empresa não terá como obter a devolução ou conversão em crédito tributário do que pagou por engano. Isso porque o faturamento pelo Fisco se dá a partir dos códigos do cadastro.
A complexidade do sistema tributário nacional e, em particular, do segmento expõe provedores a riscos que, num momento de concentração de mercado como o atual, podem ser fatais. Evitá-los demanda não só parcerias com bons escritórios de contabilidades, mas também o auxílio de especialistas. Há consultorias regulatórias que dispõem de serviços de apoio fiscal e orientação para emissão de notas. Já bons softwares de gestão especializados emitem as notas fiscais observando os requisitos necessários e orientam quanto à descrição adequado dos planos ofertados.
(*) Bárbara Castro Alves é contadora, gerente de Processos Regulatórios da VianaTel, empresa especializada na adequação legal de provedores de Internet, e gerente comercial da RadiusNet, fornecedora de softwares de gestão para ISPs.
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