A Associação de Provedores do Brasil (ASPRO) conseguiu nova decisão na Justiça do Distrito Federal no sentido de restringir a ação de corte de cabos de telecomunicações por parte da Neoenergia. Após sentença que anularia os efeitos de liminar favorável aos provedores, outra decisão publicada nesta quinta-feira, 13, vira o jogo mais uma vez e reafirma que a concessionária de energia só pode retirar equipamentos em caso de risco de acidente, conforme prevê a regulamentação vigente.
A disputa judicial entre a entidade e a distribuidora de energia em questão começou em agosto do ano passado, quando a ASPRO ingressou uma ação alegando que a Neoenergia vinha atuando de forma “completamente temerária” e “coagindo” os associados a firmarem contratos com valores de tarifa “acima daqueles praticados”, por meio de cortes dos cabos, imposição de acordos e confissões de dívida, além de rescisão com contratos.
Desta forma, a associação pediu, em liminar, que a concessionária “não pratique qualquer ato desproporcional” aos provedores, incluindo “o corte de seus cabos e rescisões contratuais unilaterais – bem como […] exigir qualquer confissão de dívida para recebimento dos projetos de regularização e de efetivar a inclusão das empresas em órgãos de restrição de crédito”.
A Neoenergia, por sua vez, declarou à Justiça que “vem implementando ações voltadas para a erradicação de ocupações clandestinas de eventuais cabos/equipamentos não identificados e também de outras estruturas que possam causar risco de acidente para a população e para a estrutura da rede elétrica”.
A companhia de energia também destacou à época que “buscou contato com as empresas e associações de telefonia com o intuito de negociar as regularizações, mas estas sequer deram retorno ou se mostraram dispostas a negociar”.
Julgamento
Inicialmente, ainda em agosto de 2022, o pedido da ASPRO foi negado pelo juiz Leandro Borges de Figueiredo, da 8ª Vara Cível de Brasília. A ASPRO recorreu e conseguiu a liminar em segunda instância, pelo desembargador James Eduardo Oliveira, em decisão proferida em outubro.
Com a liminar, a Neoenergia ficou sujeita a pagar multa de R$ 10 mil para cada hipótese de descumprimento.
No entanto, a decisão favorável à associação só valeria até o julgamento do mérito, que ocorreu em primeira instância em junho deste ano, em favor da Neoenergia pelo mesmo juiz autor da negativa inicial.
“As ações implementadas pela ré [Neoenergia] não apenas são legais, como necessárias, diante do excesso de cabos e fios clandestinos ou fora do padrão. Ora, a fiscalização de seus postes, com aplicação de multas contra empresas que muitas vezes sequer tentou regularizar sua situação, não pode ser considerada conduta abusiva”, decidiu o juiz Borges de Figueiredo.
A ASPRO então recorreu mais uma vez e conseguiu retomar a medida nos mesmos termos da liminar por meio de uma apelação. O desembargador James Eduardo Oliveira, pela segunda vez, despachou entendimento favorável aos provedores.
“Ressalvadas as “situações emergenciais ou que envolvam risco de acidente”, em princípio, a retirada dos cabos das empresas provedoras de internet [representadas pela ASPRO] pressupõe a observância de um roteiro jurídico que parece não estar sendo cumprido, pelo menos em toda a sua amplitude. Nesse contexto, até o julgamento da apelação, não há motivo para que a situação seja alterada, mesmo porque a preservação dos serviços prestados pelas provedoras de internet vai ao encontro do interesse dos consumidores”, decidiu o desembargador nesta semana.
A nova decisão também determina que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informe a existência de “processos de resolução de conflitos” entre a Neoenergia e empresas provedoras de internet representadas pela ASPRO, o que pode complementar a avaliação judicial quanto à conduta da concessionária nos processos de busca por consenso no âmbito da reguladora.
Lacunas
Apesar de haver uma decisão predominante, há questões que ainda não foram respondidas pela Justiça, na visão de ambas as partes, provedores e concessionária. Em dezembro do ano passado, o desembargador James Eduardo Oliveira negou embargos de declaração que tinham como objetivo detalhar as regras.
A ASPRO alegou que a decisão foi “omissa quanto à comprovação da urgência para retirada dos equipamentos”, o que na visão da entidade “pode ensejar arbitrariedades” por parte da distribuidora. Na prática, pediu que “fique consignado que a retirada dos equipamentos deve ser precedida da comprovação da situação emergencial que envolva risco de acidente”.
Ao julgar, Oliveira afirmou que “o roteiro procedimental” pretendido pela ASPRO “é incompatível com a natureza jurídica das situações ressalvadas e vai de encontro aos interesses que se procura preservar com a pronta atuação da Neoenergia na prestação do serviço público”.
A associação também apresentou petição para registrar que a liminar estava sendo descumprida pela Neoenergia e pediu um aumento da multa. Para tal questionamento, o desembargador disse que “as alegações da ASPRO de descumprimento da decisão agravada não prescindem do contraditório pleno e de prova conclusiva”.
A Neoenergia, por sua vez, alegou que a decisão “é omissa quanto à retirada de cabos clandestinos”. Em resposta à concessionária, o magistrado pontuou que a decisão “é clara quanto ao impedimento de retirada de quaisquer equipamentos já empregados no compartilhamento da infraestrutura da concessionária, à exceção das ‘situações emergenciais ou que envolvam risco de acidente’”.
Preço
A ASPRO tem um segundo processo aberto contra a Neoenergia, em maio deste ano, que enfrenta o preço cobrado pela concessionária. Em liminar, a entidade ingressou os seguintes pedidos:
- proibir a distribuidora de exigir valores acima do preço de referência [R$ 5,23];
- impedir a concessionária de negativar ou cobrar das associadas da autora os valores retroativos, ausentes de comprovação; e
- que as associadas da ASPRO possam pagar somente o valor de referência, possibilitando o depósito judicial mensal dos valores incontroversos.
Ao analisar o caso, em 28 de junho, o juiz Leandro Borges de Figueiredo, chamou atenção para o fato de que a ASPRO “pretende tratar de forma igualitária todos seus associados, no entanto, em seu quadro existem empresas que já firmaram contrato para compartilhamento de estruturas com a Neoenergia e outras que ainda não firmaram”.
Para aquelas que já têm contratos, Figueiredo julgou que “não há como o Poder Judiciário intervir, modificando cláusulas e valores, sem que antes seja verificado abuso ou ilegalidade no contrato, sob pena de ferir o princípio da pacta sunt servanda [deve-se cumprir o que foi acordado], causando insegurança jurídica, de forma que esta análise deve ser feita caso a caso, após a oitiva da concessionária”.
Já com relação às empresas que não contrataram com a Neoenergia, o juiz entende que “é necessário que cada uma delas negocie com a ré as suas cláusulas”, pois a lei prevê “a livre disposição contratual, e cada empresa tem suas particularidades”.
“Não pode o Judiciário, em tutela de urgência, determinar que a ré [Neoenergia] seja obrigada a contratar com empresas associadas da autora [ASPRO], em processo que discute preço de referência”, concluiu o magistrado.
Para esta ação, dos preços, a ASPRO estuda recursos cabíveis.