Coelho: Pressões pela revisão da assimetria regulatória


Coelho: Pressões pela revisão da assimetria regulatória
Fabio Vianna Coelho. Foto: Divulgação
Coelho: Pressões pela revisão da assimetria regulatória
A Anatel enfrenta a assimetria regulatória para equilibrar o mercado de banda larga fixa | Foto: Divulgação

Por: Fabio Vianna Coelho*

Grandes e médias operadoras têm realizado, individualmente ou por meio de entidades que as representam, ataques recorrentes à assimetria regulatória, quando não a toda ela, ao menos à parte que beneficia os que possuem porte imediatamente inferior. Manifestações nesse sentido atribuem à destinação de regras com graus de rigor proporcionais ao tamanho das empresas a maior parte dos problemas mais notórios do mercado de banda larga fixa. Como sempre são direcionadas para baixo, acabam por atingir os menores PPPs. Muitas procedem; outras, talvez, não. A Anatel as tem ouvido.

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Pertencente ao primeiro grupo, um dos problemas mais graves do segmento passa a receber atenção especial do regulador. A agência anunciou, por meio de seu presidente, Carlos Baigorri, em evento realizado pelo Tele.Síntese em setembro, o Plano de Ação para o Combate ao Mercado Informal de Banda Larga Fixa.  Terá como uma de suas prioridades reduzir o quanto possível a subnotificação de envios, por parte dos provedores, de informações sobre o número de acessos fornecidos e as cidades em que atuam.

Tratam-se de ótimos indicadores sobre as irregularidades existentes no mercado, já que esses relatos chegam à autarquia por meio de sua coleta mensal, o chamado DICI, a mais básica das obrigações cabíveis a um ISP. Os que não a cumprem fazem o mesmo com as demais que, invariavelmente, são mais complexas e trabalhosas.

A ação é mais do que necessária. Dos cerca de 20 mil provedores ativos no país, apenas 7.857 reportaram o fornecimento de ao menos um acesso fixo em agosto, conforme informava o site da Anatel em outubro. Além da falta de envio comprometer uma base de dados que é fundamental para a formulação de políticas públicas – como enfatizou o próprio Baigorri na ocasião –, mostra o número de empresas que atuam à revelia do regulador.

Mas, deve-se observar que, antes do anúncio do plano, Telcomp e Associação NEO manifestaram-se apontando a informalidade no mercado como prejudicial à competição. Ocorre que elas representam empresas que dispõem de centenas de milhares de clientes. Estas podem até ser impactadas pela situação gerada no segmento por provedores que atuam de forma irregular, mas a concorrência com eles inexiste.

São PPPs de menor porte que mobilizam parte de seus poucos funcionários para cumprir obrigações regulatórias, que recolhem impostos e contribuições setoriais, que dispõem de autorização e pagam às concessionárias de energia para fixar suas redes em postes, dentre outros comuns a quem atua na legalidade, os verdadeiros prejudicados pelos informais – muitos deles totalmente clandestinos – que, sem seguir leis ou regulamentos, têm custos menores de operação.

Por mais necessário que seja, o plano da Anatel surge em meio a pressões que não buscam a proteção dessas empresas. Teles, provedores regionais de médio e grande portes e as entidades que os representam usam o quadro gerado pela informalidade como pano de fundo para levarem à Anatel demandas que, diferentemente do que apregoam, relacionam-se mais a seus interesses que ao bom funcionamento do mercado.

Foi nesse cenário que o novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), contido na Resolução 765, teve sua entrada em vigor reprogramada para setembro de 2025, doze meses depois do que fora proposto inicialmente. Ao justificar sua decisão, a Anatel alegou, dentre outros, que era necessário mitigar riscos aos consumidores. Apesar de Claro, Vivo e TIM terem formalmente pleiteado a postergação da vigência da norma também por conta da “complexidade na implementação das novas obrigações”, elas se opuseram aos artigos 90 e 91 da norma.

RGC

O primeiro traz a relação de regras destinadas a PPPs. Embora seja muito menor que o conjunto das obrigações cabíveis às teles, o trecho tornava a resolução algo similar à sua antecessora – a ainda vigente Resolução 632 – quanto aos diferentes graus de prestabilidade exigidos de grandes operadoras e provedores regionais. Já o artigo 91 estabelece que os últimos deverão disponibilizar atendimento telefônico a seus consumidores por no mínimo oito horas em dias úteis – tal qual exigido desde 2014, quando a 632 entrou em vigor.

Ainda assim, conforme o head de assuntos regulatórios da Claro, líder do segmento com mais de 10 milhões de acessos fixos, os dois trechos da norma fariam surgir os “usuários de segunda classe”.

Não era a isso que o executivo se referia, mas algo procede em sua afirmação. O parágrafo 5º do artigo 90 traz as obrigações destinadas a provedores que registram até 5 mil acessos. Estas se limitam a exigir “resposta eficiente e tempestiva” às “reclamações, solicitações de serviços e pedidos de informação” e realizar o atendimento baseado em “princípios como acessibilidade, cortesia”, dentre outros. Não há nelas, porém, nada relacionado a prazos para o restabelecimento de serviços ou atendimento a demandas.

Os alvos da Claro eram outros. Mais que a perda de direitos de consumidores, incomodam-lhe ISPs líderes em seu segmento. Em audiência pública sobre o Plano Geral de Metas de Competição, a empresa apresentou um estudo, baseado em levantamento da consultoria Teleco que contemplou mais de 5 mil municípios brasileiros. Nele, relatava que PPPs possuem mais de 50% do mercado em quase 3,4 mil localidades, superando os 80% em mais de mil. Essas, conforme a operadora, não deveriam ser beneficiados pela assimetria regulatória.

A Claro se destaca quanto a esse tipo de posicionamento. No início do novembro, durante o Painel Telebrasil, seu presidente, José Félix, afirmou que, da “liberação total do setor” – consequência da assimetria, que possibilita a existência de ISPs de menor porte – resulta, dentre outros, a situação caótica do cabeamento em postes e que o aumento da concorrência pode comprometer a rede do país.

A Claro, de fato, se preocupa com redes. A modernização da sua e da principal concorrente, a Vivo, tem feito as empresas liderarem a adição de conexões fixas neste ano – nos anteriores, esse papel foi cumprido com destaque pelas PPPs.

Para além dos resultados obtidos até aqui, ao substituírem seu cabeamento por fibra óptica, essas operadoras poderão ofertar serviços de maior valor a seus clientes e aumentarem seus tickets médios. Mas, conforme a recém divulgada TIC Domicílios, do Cetic.br e do NIC.br, 85% dos habitantes de áreas urbanas dispõem de acesso à web. Nelas, onde Claro e Vivo concentram sua atuação, a conquista de clientes em número significativo por mais tempo fica comprometida pelo amplo alcance do serviço.

Se quiserem aumentar seus market shares, ambas terão de partir para aquisições. Obviamente, interessarão apenas ISPs que dispõem de centenas de milhares de acessos, que contam com fundos em suas composições acionárias, que são negociados em bolsa, dentre outras que caracterizam, segundo o estudo da Claro, as PPPs que exercem domínio de mercado em mais da metade das cidades do país.

Ao longo do ano, a Vivo buscou uma negociação assim. Em maio, após rumores circularem pelo mercado, ela e Desktop confirmaram a existência de tratativas voltadas a um possível M&A. Na sequência, informaram o fim das negociações. Ao anunciarem resultados do terceiro trimestre, a tele afirmou que as conversas seguem. Já o CEO da PPP disse que o negócio, neste momento, “não é o melhor caminho”.

Caso se concretize, a aquisição elevaria em cerca de 1,1 milhão o número de conexões fixas das Vivo, concentradas em São Paulo, seu principal mercado. Pode até ser mais do que isso, caso a Desktop incorpore outros ISPs – o que consta em seus planos, como anunciado na apresentação de seus resultados.

Se sua vantagem sobre a vice-líder for reduzida nesses termos, a Claro deverá recorrer a estratégia similar. São possibilidades já estudadas. Se forem levadas a cabo, a assimetria regulatória existente hoje faria, por exemplo, Claro e Vivo chegarem a novos mercados, por meio da compra de provedores que, em sua posse, competirão submetidos a regras mais severas que as aplicadas a seus novos concorrentes – PPPs que atuam nessas áreas.

Tanto os excessos trazidos pela Resolução 765 quanto a informalidade no mercado devem ser, respectivamente, revistos e combatida. É o que a Anatel fez e o que começa a fazer. Quanto às demais manifestações apresentadas em meio à revisão do PGMC, a agência sabe melhor que qualquer player do mercado que a assimetria regulatória foi o que possibilitou e ainda garante a expansão da banda larga no país.

Se esta precisa ser adequada, espera-se que isso observe exclusivamente fatores relacionados ao bom funcionamento do mercado. Empresas de menor porte devem ser necessariamente expostas a exigências menos rigorosas que as aplicadas às grandes. As que não cumprem as determinações do regulador devem, ou regularizarem-se o quanto antes, ou arcar com as consequências de sua atuação ilegal, dentre elas, a cassação de suas outorgas, algo que a agência está determinada a fazer.

* Fabio Vianna Coelho é sócio da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet, e do RadiusNet, software de gestão para ISPs.

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