A caracterização regulatória dos novos serviços dos ISPs


A estagnação da banda larga, os ISPs e o novo RGC

Crédito: DivulgaçãoBárbara Castro Alves (*)

Num momento em que o noticiário sobre telecomunicações gira em torno do 5G, um dado oficial chama a atenção: o crescimento dos serviços móveis em 4G a partir dos ISPs. Segundo a Anatel, em julho, essas empresas responderam pelo acréscimo de 5,4 milhões de linhas com esse tipo de conexão, 7,4% mais que no mês anterior. O ingresso dos PPPs em um segmento que até há pouco era exclusivo das grandes teles reflete o momento do mercado que, após anos de intenso crescimento e uma recente onda de M&As, vive competição acirrada, que força as empresas a ampliar seus portfólios para além da banda larga e a ela incorporar serviços que agreguem valor, elevem seu ticket médio, atraiam e fidelizem clientes. Essa estratégia, porém, demanda análise de aspectos contábeis, sem o que o aumento de receita no curto prazo pode se transformar em um futuro passivo fiscal.

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Essas novas ofertas dos ISPs, principalmente os provedores regionais, acompanham tanto tendências tecnológicas e de mercado como geográficas. Imposto pela pandemia, o teletrabalho, que se popularizou a ponto de ser hoje usual em alguns segmentos, possibilitou a muitos empreendedores migrar dos grandes centros para regiões menos adensadas, o que acabou por acelerar o movimento de descentralização econômica. O surgimento ou chegada de empresas em suas áreas de atuação levou os PPPs a agregar ofertas ao segmento corporativo, como armazenamento em nuvem e e-mails.

Porém, a maior demanda foi por conteúdo audiovisual. Serviços como streaming, TV linear ou por assinatura são os que mais ganharam espaço entre as ofertas dos ISPs. Mesmo sem dados oficiais que dimensionem esse movimento, ele se faz notar em uma série de iniciativas de corporações de portes variados. A Claro, por exemplo, anunciou que irá reformular o formato e a estratégia comercial de sua plataforma de streaming, a Claro TV Box. Também surgem empresas especializadas no fornecimento de Serviços de Valor Adicionado aos ISPs. Todos, assim como os próprios provedores regionais, buscam, com novas ofertas, participar de um mercado imenso.

Pesquisa do Instituto Reclame Aqui realizada junto a 17 mil consumidores em todo o país no início do ano aponta que 58,5% dos entrevistados não possuíam serviços de streaming, apesar do que, 35,7% acompanhavam filmes e séries. O levantamento evidencia tanto um número significativo de clientes a serem conquistados quanto o de pessoas que se valem de pirataria para acessar esses conteúdos. Nesses casos, mesmo sem participar de práticas ilegais, ISPs são questionados por clientes quanto à qualidade desses serviços. O volume de ocorrências desse tipo leva alguns fornecedores de serviços a PPPs a ofertar pacotes de forma gratuita.

Para a grande maioria dos ISPs, a oferta desses serviços não requer grandes adequações operacionais, já que, geralmente, resulta de parcerias com outros grupos que dispõem dos serviços para que eles apenas os comercializem, faturem e atendam os clientes, sem se envolverem em sua operação. PPPs que ofertam banda larga móvel – 4G ou mesmo o 5G –, por exemplo, não precisam dispor da infraestrutura necessária para a oferta dos serviços ou mesmo de licença SMP (Serviço Móvel Pessoal). Podem atuar como representantes de outros grupos – grandes teles ou PPPs que disponham de licenças. Para tanto, devem obter a autorização MVNO (Mobile Virtual Network Operator ou operadora móvel virtual) junto à operadora.

Em termos tributários e contábeis, no entanto, a situação é diferente. Por conta de as alíquotas do ISS (imposto municipal) serem significativamente inferiores às do ICMS (imposto estadual), esses serviços são preferencialmente caracterizados junto a consumidores finais como SVA (Serviço de Valor Adicionado). Ocorre que essa classificação é regida pela Norma 4, do Ministério das Comunicações, de 1995, tão anacrônica que regulamentava, dentre outras, as atividades dos discadores de Internet, indispensáveis numa época em que o acesso à Web se dava pela linha telefônica.

Um dos reflexos de uma norma tão datada ainda estar em vigor são interpretações diversas sobre a caracterização dos serviços acima descritos como SCM (Serviço de Comunicação Multimídia), como SeAC  (Serviço de Acesso Condicionado) – sobre os quais incide ICMS, que tem alíquotas entre 17% e 18% para não optantes do Simples Nacional – e o próprio SVA – como telefonia VoIP, streaming e acesso a aplicativos dos mais diversos – que tem como principal tributo o ISS, que não ultrapassa 5%. Essa falta de clareza pode gerar questionamentos futuros do Fisco e resultar em cobranças retroativas.

Para os provedores regionais, a melhor alternativa é caracterizar serviços em novos contratos ou em aditivos aos já existentes. SVAs, por exemplo, dependem do acesso à Internet, mas não o realizam – o que é um SCM, sobre o qual há incidência de ICMS. Desta forma, sugere-se a inserção de uma descrição da oferta, configurando-a claramente como SVA. No caso da oferta de streaming, por exemplo, é recomendável que o ISP formalize que não responde pela produção, programação, empacotamento e distribuição, atividades inerentes aos SeACs, como define a Anatel.

Seja por conta de novas tecnologias que chegam ao mercado sem estarem devidamente caracterizadas em termos regulatórios ou pela ampliação dos seus portfólios, os ISPs devem ter como parceiras boas consultorias especializadas para operarem sem se expor a riscos tributários. Também é recomendável que essas escolhas priorizem empresas que disponham de departamentos jurídicos, a fim de se dispor de amparo quando surgirem questionamentos. Além da preparação de modelos de contratos adequados ao novo cenário do mercado, consultorias da área devem orientar os responsáveis pela contabilidade dos provedores sobre a devida configuração de cada serviço.


(*) Bárbara Castro Alves é contadora e gerente de processos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada em regularização de provedores de Internet.


 

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